sábado, 7 de maio de 2016

Da saudade que não senti no tempo certo

Em Córdoba perdi meu celular enquanto me aventurava com o cara de 30 anos aposentado. Perdi minha pulseira nova de 20 pesos comprada na Feria de los artesanos e também acabei perdendo a passagem de volta para o Brasil, concluindo finalmente que eu e o tempo não somos amigos.

Essa coisa de limitação geográfica me coloca sentada na sala da El Chaco 54, sozinha, chorando pelas coisas que ainda não chorei. Ando emotiva. Talvez pela proximidade da TPM, talvez por ainda não ter recebido a carta que espero há cinco dias, talvez porque Paolo e Mariah saíram para trabalhar na mesma hora em que tive uma crise de sanidade.
Há tempos não experimentava essa safra de dor. Maldito vazio. Nada de solidão. Também não é solitude. A música parece triste e pareço dividida entre o que sou e o que preciso ser. Hoje não sei se quero ser tal qual a moça que conheci outro dia, a paulista que não falava português e esbarrou em mim quando perambulava bêbada de samba e Quilmes. Hector a seguia e era aparentemente normal, mas Lua com sua boina vermelha quase cinematográfica não parecia ser. Sentados na calçada, Mariah, Lua, seu companheiro argentino e eu demos início a 20 minutos de uma conversação pouco ortodoxa. Esses poucos e improváveis minutos me divertiram mais que Heleno em nosso primeiro último encontro. Não sei o que vem depois de uma espécie de "Nice to meet you.quer comprar maconha?", mas aquela foi a noite mais louca dos últimos tempos. Lua deve ser uma espécie de duende que te aborda oferecendo um minutinho de relaxamento.

Não fosse Mariah comentando flashs da noite anterior, realmente pensaria que alucinei depois de estar momentaneamente apaixonada pelo cozinheiro que não me deu bola. E agora também lembro de ter passado alguns minutos na cozinha do bar descascando batatas por diversão enquanto alguma outra pessoa fritava algo - o que explica o péssimo cheiro do meu vestido quando acordei.
Mas hoje, nem essa lembrança vai me animar. Hoje tudo que sinto é saudade da casa que decorei, do gato amado que dorme em cima da minha barriga, do pai, da madastra, da irmã caçula que me revista quando me vê. Hoje sinto saudade do meu melhor amigo cabeludo e advogado, das ruas estreitas de alegria que frequento, dos amigos, do cachorro quente vegetariano e das pessoas que não sei se um dia vou rever. Desde que cheguei nessas terras argentinas, hoje é o primeiro dia que não estou onde queria estar.




Por Ana Rivelles